05/08/2010 Bullying e Preconceito

Sapato velho

Por Keka Demétrio

Outro dia encontrei uma amiga que há muito tempo não via. As primeiras palavras delas foram: Poxa, keka, como você está linda, está mais magra! Cai na gargalhada e respondi: Não, Lú, estou menos gorda, porque quem é gordo não fica mais magro e sim menos gordo.

Ela quis se justificar achando que havia me magoado, mas expliquei que tenho isso muito bem resolvido dentro de mim e que ela não me achou mais bonita por eu ter eliminado algumas das minhas fartas dobrinhas, e sim porque eu mudei para muito melhor a forma como encarar a vida.

A Lú é uma mulher muito bonita, mais ou menos da minha idade, casada desde os 22 anos, tem uma carreira legal, e não tem filhos. Fiquei olhando para ela e mesmo a achando linda, com seus cabelos castanhos cacheados, havia algo que ofuscava o brilho daquele sorriso.

Sempre achei estranho o fato dela não ter tido filhos, já que desde a nossa infância seu sonho era ser mãe. Então, nesse papo de reencontro, descobri o porquê ela aparentava conservar o mesmo corpo de quando tinha seus 18 anos: o marido nunca aceitou que ela engravidasse, pois na cabeça doentia dele aquele corpão de parar o trânsito iria virar, literalmente, um bucho. Além de controlar o peso dela 48 horas por dia, ele não se importa que ela gastasse rios de dinheiro em clinicas de estética, afinal, assim penso eu, ela é para ele um troféu (acho que estou odiando ele).

Relembramos a nossa adolescência agitadíssima e cheia de sonhos, quando saíamos para as baladas apenas com o intuito de nos divertirmos, dançar, rir, paquerar, mas sem neuras de segundas, terceiras, quartas ou quintas intenções. Naquela época, o relógio marcava as mesmas exatas 24 horas, porém não havia a urgência que sentimos nos dias de hoje. A leveza com que lidávamos com nossas perdas e ganhos era algo fantástico. Chorávamos, ríamos, apaixonávamos em um dia para desapaixonarmos no outro, e mesmo não possuindo idade para sermos totalmente responsáveis pelas nossas vidas, nós deixávamos nossos sonhos nos conduzir.

Na medida em que relatava sua saga matrimonial, ela passou a representar para mim as milhares de mulheres que deixam suas vidas de lado para servir de figurante na vida dos seus companheiros (que de companheiro não tem nada). Vivem à sombra do que convém a eles, dizendo sim ao que desejam e não para si mesmas. Criando dentro de si mesmas um repositório de tristezas que somatiza e causa diversas doenças, como por exemplo, o câncer. Em alguns casos, companheiros com pensamentos tão egoístas, abandonam o seu troféu, quando percebem que os lindos cabelos sedosos estão caindo por causa da quimioterapia.

Ninguém está imune de ter qualquer tipo de doença, mas que venha de forma natural e não pela amargura, pelo desencanto e pela falta da vida que deixamos alguém nos  roubar. Relacionamento é troca de fluídos, de amor, de compreensão, de alegrias, de conquistas e às vezes até de ofensas, mas é troca. Eu dôo e você me doa, e juntos a gente constrói.

Dizem que para cada pé calejado existe um sapato velho. Pois que o meu me calce muito bem, sem me apertar, sem querer conter meus passos, que queira caminhar comigo por pedregulhos e pelas areias macias da praia, pois se não for assim, retiro o sapato e o deixo de lado para caminhar descalça, na certeza de que qualquer ferida que me marque a vida foi por única e exclusiva vontade minha.

 

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