Não me lembro quando vi o barman do inferninho pela primeira vez. Mas o que não esqueço é como seus olhos brilhavam quando ele me via entrando naquele lugar.
Eu tinha pouco mais de 20 anos quando Iara me apresentou seu ex-namorado. Desprendida, disse: “Renata, porque você não sai com o Fábio? Eu já namorei com ele, mas faz tantos anos, não pega mais nada entre a gente. E vocês combinam tanto!”.
Não, a gente não combinava em nada. Fábio era quase 15 anos mais velho do que eu. Estudava Direito na minha faculdade, mais como uma forma de poder se defender de seus próprios erros. Sabe, bandido com OAB?
Dirigia um carro que, na época, custava mais de R$150 mil reais. Jantava nos restaurantes mais caros dos Jardins. Andava sempre com o topete lambuzado de gumex, como se fosse um ator adolescente recém-saído de Footloose.
Eu, pobre, dormia no chão em um quartinho de bagunça na casa de minha avó paterna no Parque Edú Chaves. Não tinha roupas de grife, levava 2 horas para ir à faculdade. Estava encantada com Fábio, mas não conseguia usufruir do que ele poderia me proporcionar, porque eu tinha orgulho. Não queria que homem algum me sustentasse, embora ficasse encantada com a vida repleta de glamour que ele levava.
Nossa moral também não era compatível. Fábio era um bandido do colarinho branco, o que eu só soube muito tempo depois. Dava pequenos golpes em milionários em investimentos no mercado financeiro.
Mesmo assim, começamos a namorar, para a surpresa de todos. Segundo Iara ela jamais imaginou que aquela saidinha, aquele primeiro encontro, se tornaria um namoro longo. Acredito que eu despertava em Fábio, com minha juventude, beleza e simplicidade, um resquício de fé em si mesmo. Ele dizia que, comigo, se sentia uma pessoa melhor.
Bom, agora que já falei de Fábio, quero falar do Barman do Inferninho.
Fábio frequentava uma Casa Noturna que, aqui neste texto, chamarei de inferninho. Eu sabia que era um lugar em que Iara, Fábio e outros de nossos amigos iam com frequência, mas para o qual eu não havia sido convidada. Era uma espécie de clube, em que rolava de tudo e visitado por todo tipo de gente.
Certa vez, eu operei a vesícula e fiquei em recuperação em casa. Fábio sumiu. Um dia, retornei à faculdade e um amigo me disse: “Renata, acho que você deveria ir ao Inferninho hoje”. Eu sabia que ele estava me escondendo algo e aceitei. Ele queria que eu visse com meus prórpios olhos. Lembro de estar com a barriga doendo muito, inchada, mas mesmo assim, fui ao Inferninho.
E… Batata! Lá estava Fábio com uma mulher muito mais rica e velha do que eu. Lembro-me de ter atacado os dois. Joguei bebida, taquei sapato, parti pra cima, como a legítima barraqueira que era já aos 20 e poucos anos. E ele não pode reagir, pois havia lá uma legião de pessoas prontas para me defender.
Mas, a verdade é que, daquele dia em diante, talvez eu tenha deixado o Fábio em segundo plano e colocado o Inferninho em primeiro lugar na minha vida social.
O público predominante da casa era gay e eu me tornei uma espécie de pupila de muitos. Chamavam-me de Britney, dançavam comigo, me protegiam. Me amavam.
Lá trabalhava Henry. Ficava no bar como quem ve tudo, sabe de tudo, mesmo que seu olhar tentasse não julgar ninguém. Tinha um coração do tamanho do mundo e tentava acolher os bêbados do balcão como um legítimo terapeuta grátis.
Era um cara loiro, alto, gostoso e de sorriso tímido. O sonho de consumo de todos os gays e travestis daquele lugar.
Quando eu chegava, ele sorria, como uma criança que está recebendo um presente. E entre um drink e outro me roubava deliciosos beijos. Ele assistia as minhas loucuras com paciência. Sabia que eu era uma garota jovem e que estava lá para me divertir. É como se ele entendesse que eu poderia até ficar com muitos e muitas, mas meu coração era dele. Sim, existe amor na putaria!
Eu lembro que uma vez eu estava entrando na cabine do banheiro e ele entrou atrás de mim, de sopetão. Eu o expulsei. Pensei: “não posso ter a minha primeira vez com ele neste banheiro sujo, repleto de gente lá fora”. E embora não me arrependa disso, fiquei ainda com mais vontade de ter aquela primeira vez, nunca consumada.
Eu nunca me esqueço, também, do dia em que fui uma das últimas pessoas a deixar o Inferninho. Fiquei na calçada com uma série de amigos doidos que, já com o sol raiando, não queriam que aquela noite acabasse. Henry saiu e eu fiquei muito feliz em poder estar com ele alguns minutos fora daquele lugar. Ele me abraçou por trás, suspirou em meu pescoço e ficou alguns minutos ali, como quem não desejasse que aquele momento acabasse jamais.
Consigo ainda sentir o calor, a textura, o cheiro da pele dele como se fosse hoje. E de sua voz dizendo o quanto eu era linda e do quanto ele gostava de estar comigo. Mal sabia ele que eu pensava exatamente a mesma coisa e torcia, de verdade, que tudo pudesse dar certo entre a gente.
Lembro que ele me falou, naquele dia, que estava saindo de um casamento fracassado e que queria ficar comigo. Naquele instante, eu fiquei confusa. Ele já tinha filhos, já tinha uma vida de adulto que eu ainda estava longe de viver. Eu seria capaz de conquistá-lo? E como namorar um cara que trabalha na noite, em um inferninho em que tudo de mais doido acontece?
Dei o ponto final nas minhas idas e vindas com Fábio e decidi me declarar para Henry. Criei situações para apróximá-lo de mim. O barman do inferninho era, também, um artista maravilhoso que passou a me ajudar em minha primeira empresa.
Um dia, estávamos com meu pai falando de negócios em um shopping center, logo depois, o convidei para passar a tarde comigo. Naquele momento, em que ele poderia ter dito sim, ele escolheu partir.
A verdade é que ele tinha uma família e preferiu investir, mais uma vez, naquela relação.
O vazio que Henry causou jamais cicatrizou. O buraquinho continuou ali, como se eternamente eu esperasse por ele, por aquela tarde juntos que jamais aconteceu.
Mais de uma década depois nos reencontramos nos Facebooks da vida. Finalmente livres, desempedidos. O desgraçado ainda mais lindo, como se o tempo só lhe tenha feito bem. E muito bem. E, embora declarações de amor partissem de mim e dele, nunca nos encontramos pessoalmente.
E eu me perguntava, todos os dias, o porquê não merecíamos mais uma chance? Qual o medo de nos encontrarmos?
Éramos doidos o bastante pra transar em um banheiro de uma balada, mas não somos mais para tomar um café juntos?
De um lado, eu, com medo de que ele rejeite o corpo 30 Kg mais gordo que ele conhecera no passado. Medo das minhas rugas e cabelos brancos. Medo de que ele percebesse que não sorrio mais como antes e que não posso lhe dar o filho homem que no passado ele dizia querer ter.
Ele, medo da minha inteligência, língua solta e imprevisibilidade. Medo da minha liberdade. Medo que eu o rejeite por ser um barman e não rico como Fábio era. Mal sabe ele que o amo do jeitinho que é.
A verdade é que aquele balcão de bar do inferninho, o protegia da garota nova, bem-resolvida e feliz que tanto ameaçava os homens inseguros. E os drinks, o ambiente escuro, a legião de amigos de lá que me amavam, me encorajavam a desbravar aquele homem tímido.
E cada vez que ele me procura e vai embora, vem a dor dele partindo daquele shopping center e escolhendo uma vida em que eu não cabia.
Nós não conseguimos coexistir fora do inferninho. O inferninho nos mantinha vivos um para o outro.
Como diria Neymar: saudade daquilo que não vivemos.
Paulistana, criadora do Blog Mulherão. Jornalista, escritora, cronista, consultora de moda, modelo plus size, empresária, assessora para assuntos aleatórios, mulher com “m” maiúsculo, viciada em temas pertinentes ao universo feminino. Há um bom tempo gorda. Quase sem neuras. Eu disse quase, não se iludam!
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