26/09/2019 Comportamento

O suicídio do bebê

Com a proximidade dos 40 anos, tenho me perguntado se não ter filhos biológicos é realmente minha decisão final. Estava certa que jamais teria filhos, afinal, quais os motivos para tê-los? Não imaginava uma razão.

Ser mãe para me sentir completa? Mas já sou completa, não seria injusto colocar no mundo alguém com a obrigação de suprir uma lacuna em minha vida?

Para cuidar de mim quando eu envelhecer? Não é um egoísmo gerar alguém que herdará esse fardo de ser o enfermeiro e cuidador da própria mãe?

Para herdar meu nome, meu DNA, minha linhagem? Que coisa mais atrasada, patriarcal, machista!

Não encontrava razões.

Até que, há algumas semanas, ouvi do meu amor (amor = falaremos depois sobre isso!) a seguinte frase: “quando te olho, te imagino grávida“. A frase, clichê do canastrão conquistador, me fez ovular psicologicamente, sem intervalos, desde então.

E, do nada, todos os motivos que eu procurava, todas as razões que eu desejava para ser mãe, já não eram necessários.

Hoje, pela manhã, me deparei com uma postagem no Facebook repleta de fotos de bebezinhos recém-nascidos lindos. Rostinhos gordos e fofuchos, tão pequeninos que poderiam caber na palma da minha mão. Eu podia jurar que conseguia sentir o cheirinho deles através da tela do computador e sorria, feliz, enquanto os admirava.

A morte

A noite, meu pai pediu que o acompanhasse em um velório. O filho de um amigo do meu pai, rapaz lindo, cheio de vida, se jogou da sacada do apartamento da família.

Era um rapaz jovem, na casa dos 30 anos, com filhos e uma vida toda pela frente, mas que foi tomado pelas drogas, depressão e, nos últimos segundos de vida, pelo desespero.

Eu não conhecia intimamente essa família, poderia muito bem prestar minha solidariedade e não me abalar, mas não obedeci meu próprio roteiro.

Chegamos, havia muitas coroas de flores. Muitas mesmo! E jovens. Muitos amigos já com saudade. Todos chocados e chorando com a morte inesperada e violenta. A mãe demorou para chegar. Todos esperavam por ela.

Chegou. Andava lentamente, como alguém que tem que empurrar e encorajar desesperadamente a si mesma. Embora estivesse quieta, tranquila, diante da maior dor de sua vida, seus olhos pediam socorro.

Seu filho se matou. Quantas culpas essa mulher não carregava? Quantos arrependimentos não trazia consigo? Não, ela não tem culpa de nada, ela fez tudo o que podia, mas como, como se convencer disso?

Em determinado momento, após cumprimentar a todos, a mãe encheu lentamente de ar o pulmão já cansado de tanto chorar e, sussurrando disse: “nunca pensei que um dia fosse sentir dor tão grande! Como dói perder um filho!”.

Quando escutei isso, lembrei das fotos de bebês que vi na internet pela manhã. Meu coração doeu tanto, mas tanto, que eu não aguentei e chorei. Muita tristeza tomou conta do meu coração. Era tanto desespero no rosto daquela mãe, que eu queria poder ter algum poder de retirar um pouquinho da dor dela e passar para mim. “Meu, Deus, tenha piedade desta mãe“, supliquei.

Aquele rapaz no caixão lacrado era um bebê. É assim que sua mãe o via. Um bebê desejado, amado, que cresceu, virou adulto com as dores e conflitos de uma criança. Um bebê que adoeceu e em um momento de desespero se suicidou. Um bebê que deixará um vazio que jamais será preenchido no coração daquela mãe, não importa quantos outros filhos ela tenha e quantos anos ela ainda viva. Aquela era a dor mais profunda e dilacerante que aquela mulher já temeu sentir.

De repente, me peguei agradecendo por não ter filhos e por não correr o risco de um dia sentir toda aquela dor desesperadora. Sentirei outras, é claro. Mas a dor de perder um filho, com toda aquela magnitude, jamais.

Covarde? Talvez. Sinto medo, medo. Medo de amar demais e perder. Prefiro não arriscar. Mas ainda assim, peço: “Meu Deus, abençoe todas as mães“.

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