Por Eduardo Soares
Assisti o mega sucesso “Marley e Eu’’ já sabendo da fama que rondava a trama. Mesmo assim chorei feito criança nos últimos minutos do filme. Recentemente foi a vez de um amigo do trabalho passar pela triste situação de perder seu animal de estimação. Ao acolher um bicho, a pessoa sabe que cedo ou tarde ele irá partir. Mesmo sabendo que irá existir um carinho obtido ao poucos, e através deste carinho nascerá uma relação quase maternal/paternal da pessoa com o animal, mesmo sabendo que tudo isso terá final, lá está seu cão, gato ou pássaro nas fotos da família ou nos vídeos antigos e descontraídos do dia a dia. Como explicar esse amor sem diálogos?
Cresci com uma vira latas dentro de casa. Segundo alguns, assim que cheguei da maternidade lá estava ela do nosso lado, olhando atentamente para aquele novo membro da família, como quem diz: “quem é esse aí? Vai ser chato, mala sem alça”?
Duquesa parecia gente. Quem sabe até era muito mais racional do que muitos pensantes existentes. Ela está presente nas varias lembranças sadias da minha infância. Era regra quase militar: acordava as sete e antes de ir para escola, lá estava a dupla, Duquesa e Dudu (vou morrer coroa – assim espero – com esse apelido) dando três voltas num campo de futebol perto da minha casa. Ela adorava deitar na grama umedecida pelo orvalho da manhã. Rolava, se esbaldava, corria, dava piques que faziam inveja para muitos atletas. À noite, família reunida na sala assistindo televisão. Entenda-se como “família” meus pais, irmãos, um tio e ela, nossa guardiã. De tão alegre, era conhecia pelo bairro. Parecia uma popstar desfilando sua elegância canina nas ruas, para alegria de todos, adultos e crianças, que sempre paravam para brincar com a ‘’estrela” da minha casa.
Tínhamos um trauma curioso: fogos de artifício eram o nosso ponto de desespero. Lembro do último réveillon dela. Casa cheia, todo mundo de branco, festa, som, empolgação contagiante. Quando o relógio atingiu meia-noite, pronto! Lembro de ter enrolado uma colcha entre nós, como se fosse uma barricada. Ela tremia e eu não ficava por menos (risos). Nesse dia, e parece que foi ontem, cumprimentei Duquesa com um singelo “feliz ano novo” com direito a aperto de mão/pata e tudo (muitos risos).
Certa vez ela foi correr atrás de um gato que passeava tranquilamente no meu terraço. Quando o bichano caiu na real e viu que havia uma cachorra atrás dele, fez valer de toda sua elasticidade natural e na hora do desespero deu um salto memorável e caiu todo pimpão (e intacto) na varanda do vizinho. Duquesa não era gato mas guiada pelo instinto de caça tentou fazer o mesmo ato do gato. Pulou o muro mas caiu no quintal da casa à frente. Pata traseira esquerda quebrada fratura exposta. E ela não soltava um gemido. Apenas nos olhava com ar de “me ajudem’’. Desde então, ela ganhara platina e alguns parafusos no osso. Mas nem por isso deixou de ser animada. Apenas deixou de pular o muro do terraço…
Anos depois veio o acontecimento inesquecível. Ela comera veneno em algum lugar e passou muito mal, até então nunca havíamos presenciado aquelas cenas fortes. Difícil acompanhar o bicho que fez parte da sua história naquele estado de agonia. E foi assim durante dois dias. Remédios não surtiam mais efeito. Nada poderia ser feito. Ela, sempre brincalhona e agitada, mantinha o olhar no vazio. Não atendia pelo nome, não comia, mal tinha forças para levantar a cabeça, parecia um animal empalhado. Normalmente, sempre quando pedíamos, ela estendia a pata como forma de cumprimento. Naquele dia repeti a frase “Duquesa, me dá a pata’’ por três vezes. Aos seis anos, não tinha muita noção do que estava acontecendo. Acariciei sua cabeça e estava saindo do local quando vagarosamente ela fez o gesto de cumprimentos que ensinamos. Pata fria na minha mão. Este foi seu último movimento. Fiquei gelado. Senti medo e tristeza. Acontecia naquele instante nosso último contato.
A única pessoa ausente da casa era meu irmão. Minutos depois, ele chegou do trabalho e automaticamente foi falar com ela. Feito isso, deu as costas. Duquesa, 14 anos de peripécias e inúmeras historias, fechou os olhos. Para sempre.
Passados vinte e cinco anos, é impossível não sorrir ao olhar para algumas fotos onde aquela cachorra, nem tão bonita assim, dava o ar de sua graça. De lá pra cá, tivemos uns vinte gatos. Mas cachorro mesmo, nunca mais.
Como explicar esse amor sem diálogos? Dê amor para seu bicho e a resposta virá com um amor incondicional que você não recebe de muita gente por aí.
Paulistana, criadora do Blog Mulherão. Jornalista, escritora, cronista, consultora de moda, modelo plus size, empresária, assessora para assuntos aleatórios, mulher com “m” maiúsculo, viciada em temas pertinentes ao universo feminino. Há um bom tempo gorda. Quase sem neuras. Eu disse quase, não se iludam!
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